Em 28 de junho de 2024 foi editada a Lei de n.º 14.905/2024.
Essa lei trouxe muitas e profundas alterações em assuntos antes um tanto vagos, como juros e correção monetária, no Código Civil, entre outros assuntos.
Um tema que ela tratou, também, foi sobre a possibilidade de se cobrar juros compostos/capitalizados, para pessoas que não integrem o Sistema Financeiro Nacional (SFN), algo, antes proibido pela legislação.
Entenda, agora, como isso vai funcionar na prática.
Juros compostos/capitalizados
A capitalização de juros/juros compostos é a possibilidade de que alguém possa fazer incidir juros sobre um determinado valor inicial, incluindo os juros já acumulados e o valor inicial. Dessa maneira, os juros são capitalizados/acumulados e passam a incidir juros sobre juros.
Essa é uma excelente maneira de fazer com que um investimento renda de forma exponencial, contudo, quando falamos de financiamentos, empréstimos e dívidas, isso representa um perigo imenso ao comprador de um imóvel/devedor.
É que a dívida inicial aumentará em uma proporção muito grande, tornando-a praticamente impagável ou com um valor para quitação além do esperado, algo que, em muitos casos, resulta em inadimplência e até perda do imóvel que foi dado em garantia daquele financiamento.
Como era o regramento para esse tipo de cobrança de juros?
Nos financiamentos feitos com bancos/instituições financeiras/consórcios, esse tipo de cobrança era vedado até a edição da Medida Provisória de n.º 1963-17, de 2000 convertida na MP de n.º 2.170-36/2001, que trouxe essa previsão em seu art. 5º:
Art. 5º. Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Recentemente, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a essa MP é constitucional, conforme eu expliquei nesse outro texto.
Contratos que tivessem sido firmados antes dessa Medida Provisória não podiam realizar a capitalização mensal de juros pelo fato de não haver, no ordenamento jurídico, qualquer permissão para isso.
Nos que fossem feitos posteriormente à edição da MP, haveria a necessidade de haver a pactuação expressa dessa capitalização, somente assim, é que seria possível a sua cobrança.
Nos casos de financiamentos com quaisquer outros tipos de pessoas/empresas, que não integrassem o SFN, a capitalização ainda restava proibida, especialmente pela vedação existente no Decreto de n.º 22.626/1933, cenário que foi modificado com a Lei de n.º 14.905/2024.
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Qual foi a grande novidade da Lei 14.905/2024?
A proibição de capitalização mensal de juros advinha, para as demais pessoas/empresas que não integravam o SFN, do Decreto de n.º 22.626/1933, chamado popularmente de “Lei da Usura” ou, melhor, lei da proibição da usura.
Nesse decreto, o seu art. 4º proibia, expressamente, a cobrança de juros compostos/capitalizados/acumulados, veja:
Art. 4º É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
E a grande novidade da Lei de n.º 14.905/2024 foi afastar a aplicação desse decreto, Lei da Usura, nas seguintes situações:
Art. 3º Não se aplica o disposto no Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, às obrigações:
I – contratadas entre pessoas jurídicas;
II – representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;
III – contraídas perante:
a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;
b) fundos ou clubes de investimento;
c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito;
d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou
IV – realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.
Em resumo, nas operações realizadas com instituições financeiras/bancos, é permitida a capitalização mensal de juros, algo que não é tanta novidade assim, mas, agora, as obrigações contratadas entre pessoas jurídicas podem ter a referida forma de cobrança de juros.
É importante ressaltar que essas pessoas jurídicas não precisam ser, necessariamente uma instituição financeira, basta, pelo texto legal, que sejam pessoas jurídicas firmando alguma obrigação, qualquer que seja, para que seja afastada a Lei de Usura e, assim, seja possível cobrança de juros de forma capitalizada.
O que não foi alterado por essa nova lei?
Nada mudou em relação aos contratos que são feitos entre pessoas físicas ou pessoas físicas e jurídicas.
Aquisições de imóveis feito por pessoas físicas com construtoras não tiveram nenhum impacto com essa decisão, valendo, portanto, a proibição de cobrança de juros capitalizados.
Contratos feitos com bancos, por pessoas físicas, que não tiver a expressa previsão da capitalização mensal de juros, também não sofreram qualquer modificação, visto que ainda permanece a exigência dessa possibilidade de capitalização constar no instrumento contratual.
Por fim, mesmo nos contratos feitos por pessoas jurídicas, essas mudanças somente atingiram os instrumentos que forem celebrados após a entrada em vigor da nova lei, não atingindo, portanto, aqueles contratos antigos, feitos antes desta data.