Recebi uma pergunta interessante, nesses últimos dias, acerca de rescisão de contrato de imóvel com alienação fiduciária, relativo ao julgamento do tema 1095, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Fui perguntado se valeria, para impedir a rescisão contratual, o registro da alienação fiduciária quando o comprador ingressasse com a ação judicial para desfazer o negócio?
Essa dúvida é muito interessante e já foi objeto de decisões pela justiça, especialmente o Tribunal de Justiça de Goiás.
Antes, porém, de tratar sobre essa questão e responder à dúvida levantada, quero, primeiramente, contextualizá-lo sobre o que estamos falando.
Rescisão contratual, devolução de valores, alienação fiduciária e decisão do STJ (tema 1095)
Atualmente, na aquisição de um imóvel, novo ou usado, é muito comum a utilização da alienação fiduciária como forma de se garantir o pagamento, especialmente quando esse é realizado por meio de financiamento bancário.
Não sendo realizado o pagamento das parcelas, o credor irá notificar o comprador/devedor, após, não havendo o pagamento é feita a consolidação da propriedade e realização de leilões para venda desse bem.
Havendo a regular constituição da alienação fiduciária, a rescisão do contrato com devolução dos valores pagos, mesmo havendo o abatimento de eventual multa, é muito difícil, conforme você pode verificar nesse outro texto que expliquei esse assunto: Um contrato de compra e venda de imóvel quase impossível de desistir.
A possibilidade de se rescindir esse tipo de contrato e pleitear a restituição das parcelas pagas virou um tormento nos Tribunais, havendo julgamento em sentidos diversos, até mesmo no âmbito de um mesmo Estado.
Diante desse cenário, o STJ, reuniu alguns processos para realizar um julgamento a fim de fixar uma tese jurídica, que seria aplicável em todos os outros casos semelhantes, algo que ocorreu no julgamento do tema 1095, conforme expliquei nesse outro artigo: Julgamento do Tema 1095 – STJ – acórdão publicado – boas notícias aos compradores.
Em resumo, o STJ validou a impossibilidade de restituição de valores, caso exista a alienação fiduciária, contudo, para que esse entendimento seja aplicado, é necessário o cumprimento de três requisitos, os quais expliquei no texto acima.
A exigência desses requisitos cumpridos, endurecendo e dificultando a aplicação da tese, foi uma boa notícia aos compradores/devedores desse tipo de contrato.
Feita essa introdução e esclarecimentos, vamos à indagação realizada.
É válido o registro da alienação fiduciária após o ingresso da ação judicial para impedir a rescisão do contrato?
Não.
Esse estratégia utilizada por muitas empresas, de apenas registrar a alienação fiduciária quando via que o comprador tinha intenção em desistir do negócio, para impedir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor foi, em várias oportunidades, analisada e rejeitada pela justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C RESTITUIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Compra e venda. Loteamento Jardim dos Ipês. Cláusula de alienação fiduciária em garantia. Ausência de registro. Garantia não constituída. No regime especial da Lei n. 9.514/97, o registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no Registro de Imóveis tem natureza constitutiva (art. 23). No caso dos autos, ausente o registro até a data da propositura da ação, a resolução do pacto se submete aos termos do Código de Defesa do Consumidor e à Súmula 543 do STJ.
2. Resolução do contrato. Culpa do promitente vendedor/construtor. Obras de infraestrutura não entregues na data aprazada. Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador ? integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. Súmula 543, STJ.
3. Juros de mora. Termo inicial. Em se tratando de rescisão por culpa da prominente vendedora, os juros de mora incidem a partir da citação, e não do trânsito em julgado da sentença, mostrando-se acertado o comando judicial atacado.
4. Registro do contrato perante o assentamento imobiliário após o ajuizamento da ação. Reembolso dos valores. Inviabilidade no caso concreto. Conduta contrária à boa-fé objetiva. Não há falar em restituição dos valores despendidos com o registro (2020) do contrato (2015) após o ajuizamento da ação (2019), pois, além de ter sido promovido pela requerida com o nítido propósito de obstar a rescisão do pacto, contrariando a boa-fé objetiva, a decisão que deferiu parcialmente a tutela de urgência (2019) vindicada na inicial determinou a suspensão das cobranças relativas ao compromisso de compra e venda.
5. Litigância de má-fé. Pedido em contrarrazões. O pleito dos autores/apelados de condenação da apelante por litigância de má-fé no importe de 10% do valor corrigido da causa não merece trânsito, nos moldes da Súmula 27 desta Corte de Justiça. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5452742-84.2019.8.09.0024, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR JERONYMO PEDRO VILLAS BOAS, 6ª Câmara Cível, julgado em 07/12/2022, DJe de 07/12/2022)
O registro da alienação fiduciária, para fazer valer a sistemática da Lei 9.514/97, que impede a devolução dos valores pagos a título de parcelas, é essencial, conforme dispõe o próprio artigo 23, da referida lei.
Não tendo havido o seu registro, até a propositura da ação, não há como considerar a existência da alienação fiduciária, aplicando-se, assim, a rescisão do contrato com devolução dos valores, mediante o desconto de multa.
Essa questão, desde antes do julgamento do tema 1095, pelo STJ, estava clara.
Com esse julgamento, que exigiu, além da existência do registro da alienação fiduciária, a notificação do devedor inadimplente, mostra-se ainda mais acertada a posição dos Tribunais em negar a aplicação da Lei 9.514 quando o registro da alienação é realizado após o ingresso da ação de rescisão contratual.