O ambiente dos leilões é noticiado como um local ideal para quem quer comprar imóveis, onde existem oportunidades inigualáveis, sendo possível adquirir imóvel por um valor baixíssimo, algo que assusta quem é devedor, seja de um processo judicial ou de um financiamento imobiliário.
Existe, no caso de leilões de imóvel, um valor mínimo pelo qual o bem pode ser vendido ou é possível a sua arrematação por qualquer quantia?
Esse é o tema desse texto e que te ajudarei a compreender melhor.
Leilão de imóvel judicial e extrajudicial
Existe, de forma geral, dois tipos de leilão que podem fazer com que você perca o seu imóvel.
Temos o leilão judicial que é aquele decorrente de um processo que tramitou perante o Poder Judiciário e que, ao chegar na fase de cumprimento de sentença, não sendo encontrado dinheiro ou outros bens, o devedor poderá perder o seu imóvel para o pagamento da dívida.
Não são todas as dívidas que tem essa força de fazer com que o único imóvel de alguém seja levado a leilão. Algumas, como IPTU, taxa de condomínio e a próprio dívida do financiamento para a aquisição do bem, entre outras, podem chegar a esse nível.
No leilão extrajudicial, decorrente da Lei de nº 9.514/97 (Lei da alienação fiduciária de coisa imóvel), não haverá um leilão designado por um juiz, o procedimento para isso é feito de forma extrajudicial, perante o Cartório de Registro de Imóveis e um leiloeiro cadastrado na Junta Comercial.
Somente depois que houver a arrematação, realização da escritura pública e o seu registro é que o arrematante irá buscar alguma medida na justiça para retirar o antigo dono ou ocupante do imóvel.
A diferenciação de qual tipo de leilão é importante porque cada um possui uma previsão legal diferente, contudo, a justiça entende, na maior parte dos casos, pela solução igual em relação ao valor mínimo que um bem imóvel pode ser arrematado, conforme explicarei a seguir.
Qual é o valor mínimo pelo qual um imóvel pode ser arrematado em um leilão judicial?
Nos leilões judiciais, o art. 891, do Código de Processo Civil (CPC), é que regula esse preço mínimo pelo qual um bem pode ser arrematado.
Embora estejamos falando sobre bens imóveis, a aplicação desse dispositivo legal não se resume apenas a imóveis, sendo aplicável para qualquer tipo de bem que esteja sendo praceado.
O art. 891, caput e parágrafo único, diz o seguinte:
Art. 891. Não será aceito lance que ofereça preço vil.
Parágrafo único. Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.
Na regra estipulada por esse artigo, compreende-se que o magistrado fixará um valor mínimo e que nenhum lance poderá ser inferior a ele. Ocorre, todavia, que antes de se realizar um leilão, é necessário fazer a avaliação do bem, o que acontece, na maior parte dos casos, por um perito ou profissional do ramo ligado àquele tipo de bem.
Dificilmente o magistrado, por livre decisão irá fixar um valor.
Então, na maior parte dos casos, caberá a esse avaliador estipular o valor desse bem, no nosso caso, do imóvel que irá ser leiloado.
Fixado o valor, não se poderá aceitar lance inferior a 50% (cinquenta por cento) dele. Lance menor que esse percentual é considerado como vil.
A título de exemplo, um imóvel avaliado em R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil) não poderá ser vendido, no leilão, por menos que R$ 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil reais).
E no leilão extrajudicial, qual é o valor mínimo?
No leilão extrajudicial regulado pela Lei de nº 9.514, que abarca a maior parte dos leilões realizados por bancos e empresas do ramo imobiliário, há uma regra específica para cada um dos dois leilões que podem ser realizados.
No primeiro leilão, o imóvel somente poderá ser arrematado se o lance for maior que a avaliação do bem (art. 27, § 1º, da Lei 9.514). Essa avaliação é fixada no próprio contrato que previu a alienação fiduciária, juntamente com a sua forma de revisão.
No segundo leilão, caso não tenha havido lance vencedor no primeiro, o imóvel poderá ser arrematado pelo valor igual ou superior ao valor da dívida (art. 27, § 2º, da citada lei).
E aí surge um grande problema: é que o valor da dívida, que corresponde a todas as parcelas vencidas e a vencer, além dos encargos moratórios, pode representar um valor inferior a 50% (cinquenta por cento) do valor da avaliação do imóvel, resultando na arrematação de um bem por um valor irrisório.
Imagine que um imóvel avaliado em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) tenha sido praceado por conta de uma dívida de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
No primeiro leilão, que praticamente ninguém oferece lance, o bem somente poderia ser leiloado pelo valor de sua avaliação, ou seja, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Entretanto, no segundo leilão, o imóvel poderia ser vendido por R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), que é o valor da dívida.
E foi aí que muitas pessoas entraram com ações na justiça questionando essa previsão da Lei 9.514/97.
As decisões da justiça sobre arrematação por valor vil nos leilões extrajudiciais
A princípio, poderíamos pensar que não haveria a aplicação do art. 891, parágrafo único, do CPC, em casos de leilões extrajudiciais decorrentes da execução da alienação fiduciária em garantia.
Especialmente pelo fato de que a Lei 9.514/97 é uma lei específica para os casos de financiamentos garantidos pela alienação fiduciária, enquanto que a previsão do Código de Processo Civil se trata de uma previsão genérica, aplicável quando não houver uma norma específica.
Isso é o que diz os estudiosos quando da solução das antinomias de normas – aparentes conflitos entre elas -, aplicando-se o critério da especialidade para se resolver a confusão.
Ocorre, no entanto, que o Judiciário tem entendido que, em qualquer caso, mesmo em leilões realizados sob a égide da Lei 9.514/97, tem de ser observado o parâmetro de valor mínimo fixado pelo art. 891, parágrafo único, do CPC.
Isso significa dizer que, seja qual for o tipo de leilão, judicial ou extrajudicial, a arrematação não poderá ocorrer por valor inferior a 50% (cinquenta por cento) do valor de avaliação do bem, sob pena de caracterizar preço vil.
Como você pode notar nestas decisões:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. DEFERIMENTO. REQUISITOS DEMONSTRADOS. CONTRATO GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LEI FEDERAL Nº 9.514/1997. LEILÃO. POSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO POR PREÇO VIL. SUSPENSÃO. DECISÃO MANTIDA.
1. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Inteligência do artigo 300 do Código de Processo Civil.
2. Consoante firme entendimento jurisprudencial, o parâmetro adotado, para a caracterização de preço vil, é o percentual de 50% (cinquenta por cento) do valor da avaliação.
3. O regramento inserto no artigo 891 do Código de Processo Civil é norma que norteia a apreciação dos valores das vendas de bens tanto judicial quanto extrajudicialmente, inclusive em casos envolvendo alienação fiduciária de bem imóvel.
4. A decisão concessiva ou não de tutela antecipada deve ser reformada pelo juízo ad quem somente em caso de flagrante abusividade, ilegalidade ou teratologia.
5. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO.
APELAÇÕES CÍVEIS. ANULATÓRIA C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. LEI N.º 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. IMÓVEL ARREMATADO POR VALOR INFERIOR A 50% DE SUA AVALIAÇÃO. PREÇO VIL.. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DESPROVIMENTO.
1. Nos moldes do art. 26 da Lei federal n. 9.514/97, vencida a dívida e não paga, será o devedor fiduciante constituído em mora e intimado pelo oficial do Registro de Imóveis competente para purgá-la no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário.
2. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá público leilão para a alienação do imóvel, não sendo aceito lance que ofereça preço vil, considerando-se como tal aquele inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação. Inteligência dos arts. 27 da Lei federal n. 9.514/97 c/c 891, caput e parágrafo único, Código de Processo Civil.
3. As regras constantes na Lei federal n. 9.514/97 não podem ser interpretadas de maneira insulada, mostrando-se necessário examiná-las em consonância com todo o ordenamento jurídico pátrio, notadamente o Código de Processo Civil, sob pena de se admitir situações aberrantes, como a arrematação de imóvel em leilão extrajudicial por preço vil.
4. Não socorre à primeira apelante, na qualidade de arrematante do bem, a alegação de proteção ao terceiro de boa-fé, porque tal alegativa esbarra, na hipótese, na vedação ao enriquecimento ilícito, já que adquirida casa de alto padrão de dois pavimentos por valor que não correspondeu a um terço do que valia, à época, apenas o lote ofertado no leilão extrajudicial.
5. Apelos conhecidos e desprovidos.
6. Honorários advocatícios majorados em grau recursal para 12% do valor atualizado da causa.
E o que acontece quando o preço pelo qual houve a arrematação é considerado como vil?
Havendo o reconhecimento judicial do preço vil, seja do leilão extra ou do judicial, haverá a anulação da arrematação realizada e, consequentemente, de todos os atos posteriores à arrematação, como escritura pública, registro desta e até de eventual ação de imissão na posse proposta pelo arrematante contra o antigo proprietário ou ocupante do bem.
Com isso, haverá o retorno do imóvel à condição do leilão, observando-se o preço mínimo possível para haver a arrematação.
Algo que possibilita, ao devedor, a possibilidade de realizar a purgação da mora ou aquisição do bem, em condições de igualdade com qualquer outro arrematante, ante a sua preferência legal.