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Rescisão antecipada de contrato por atraso que ainda vai ocorrer na obra

Ao adquirir um imóvel, daqueles chamados “na planta”, originários da incorporação imobiliária, é esperado que o bem seja entregue no prazo previsto no contrato.

É muito comum, entretanto, que a obra extrapole o prazo inicialmente previsto e disso várias consequências jurídicas podem surgir como, por exemplo, a rescisão contratual, pedido de indenização por danos morais, por danos materiais (lucros cessantes), entre outros pedidos, como é de conhecimento geral.

Esse atraso, geralmente, ocorre quando o comprador aguardar o prazo previsto no contrato se consumar e, em muitos casos, até que seja passado o prazo de tolerância (180 dias), que também está na maior parte dos contratos.

Há uma situação, no entanto, que foge a essa circunstância comum que estamos cansados de vivenciar: é a ocorrência do atraso antecipado dessa obra.

Como funciona esse atraso antecipado?

O atraso antecipado da obra é quando o incorporador (geralmente uma empresa que figura como vendedora, nesse contrato) informa, de antemão, que não conseguirá entregar o imóvel, no prazo estabelecido no contrato.

Isso pode acontecer, também, pela análise, pelo próprio comprador, das características atuais do andamento da obra. Imagine que ao se deslocar até o canteiro de obras do empreendimento, faltando pouco prazo para a data da entrega da obra, no contrato, o comprador se depare com a obra ainda no estágio inicial, de fundação, por exemplo.

Nesses cenários ilustrativos, obviamente, o comprador terá condições de reunir provas de que a obra não será entregue, no prazo previsto no contrato, considerando, inclusive, o prazo de tolerância.

E, sabendo disso, será possível ao comprador pedir a rescisão antecipada desse contrato?

A rescisão antecipada do contrato por atraso que ainda vai ocorrer na obra (inadimplemento antecipado do contrato)

Sim. É possível, ao comprador que reunir provas suficientes do atraso que ocorrerá na obra, pedir a rescisão contratual, com devolução de valores e indenização pelos prejuízos que estiver suportando.

A inadimplência do contrato pode ocorrer de forma antecipada, que é o denominado, pela doutrina, de teoria do inadimplemento antecipado do contrato.

O art. 395, parágrafo único, do Código Civil, é a base legal para possibilitar esse tipo de rescisão, com a aplicação da teoria acima referida:

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

Havendo o atraso na entrega do imóvel, mesmo que de forma antecipada, amplamente conhecida pelas partes, será viável ao comprador pleitear a rescisão contratual, com devolução integral dos valores pagos e eventual ressarcimento de prejuízos, conforme decisões do Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. CONTRATO DE CONSTRUÇÃO IMOBILIÁRIA. INADIMPLÊNCIA DA PROMITENTE VENDEDORA. ATRASO NA OBRA. RESCISÃO DECRETADA. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DO VALOR DAS PARCELAS PAGAS. EMBARGOS DECLARATÓRIOS APENADOS COM MULTA. PROPÓSITO DE PREQUESTIONAMENTO. EXCLUSÃO. SÚMULA N. 98-STJ.

I. Não padece de nulidade o acórdão estadual que enfrenta, suficientemente, as questões essenciais ao deslinde da controvérsia, apenas que trazendo conclusões desfavoráveis à parte-ré.

II. Firmado pelo Tribunal a quo que houve inadimplência da construtora na entrega da obra, que sequer se iniciara quando do ajuizamento da ação, é devida ao adquirente a restituição integral dos valores pagos, sem qualquer retenção.

III. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” (Súmula n. 7-STJ) IV. “Embargos de declaração manifestados com notório repositório de prequestionamento não tem caráter protelatório”

(Súmula n. 98-STJ).

V. Recurso especial conhecido em parte e provido, para afastar a multa aplicada aos embargos declaratórios.

(REsp 476.481/MG, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 26/2/2008, DJe de 14/4/2008).

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CÓDIGO CIVIL DE 2002, ART. 421. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. CÓDIGO CIVIL DE 2002, ART. 395. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.

1. A regra do art. 395 do CC/2002 responsabiliza o devedor em mora e possibilita ao credor rejeitar a prestação que, devido à mora, tornou-se para si inútil, exigindo indenização. Na hipótese, a inutilidade da prestação consulta o interesse do credor, levando em conta elementos objetivos, relacionados às normas contratuais e à natureza da prestação, e elementos subjetivos, relativos à necessidade do credor e sua legítima expectativa.

2. Em decorrência da mora, tem-se, na espécie, o inadimplemento substancial. O v. acórdão recorrido fez a correta subsunção da norma inserta no art. 395, parágrafo único, do CC/2002 ao caso, entendendo que a mora ensejou o desfazimento do negócio, caracterizando inadimplemento definitivo, pois considerou que o objeto do contrato tornou-se inútil aos recorridos.

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

E, também, dos Tribunais de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INCORPORADORA BORGES LANDEIRO S/A AFASTADA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL CAUSADO PELA INCORPORADORA. MORA QUE SÓ ENCERRA COM A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. RESTITUIÇÃO IMEDIATA E INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. MULTA PENAL REDUZIDA E SOBRE OS VALORES EFETIVAMENTE PAGOS. JUROS DE MORA A PARTIR DA CITAÇÃO. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS RECURSAIS.

1. Não há que se falar em ilegitimidade passiva da Incorporadora Borges Landeiro S/A, quando, a partir da análise das particularidades fáticas, constata-se que as empresas fazem parte do mesmo grupo econômico, circunstância autorizativa, inclusive, da aplicação da teoria da aparência.

2. É de consumo a relação jurídica estabelecida por contrato de promessa de compra e venda firmando entre a empresa incorporadora ou construtora do empreendimento e o futuro proprietário do imóvel (arts. 2º e 3º do CDC), podendo as regras consumeristas serem aplicadas em total harmonia com as disposições do Código Civil.

3. O significativo e acentuado atraso na construção do empreendimento imobiliário, aliado à evidente impossibilidade de entrega da obra no termo ajustado, configuram o inadimplemento antecipado da avença, dando ensejo ao direito de resolução a ser exercitado pelo promitente comprador antes do prazo pactuado para a entrega do imóvel, impondo-se a restituição imediata e integral das parcelas pagas, ao teor da Súmula 543 do STJ.

(…)

PRIMEIRA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.

(TJGO, Apelação (CPC) 0038770-58.2015.8.09.0051, Rel. Des(a). MARIA DAS GRAÇAS CARNEIRO REQUI, 1ª Câmara Cível, julgado em 13/11/2020, DJe  de 13/11/2020).

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA OU EM CONSTRUÇÃO. PEDIDO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES. ATRASO SUBSTANCIAL DA OBRA. SUSPENSÃO NO PAGAMENTO DAS PARCELAS PELO ADQUIRENTE. IRRELEVÂNCIA.  INADIMPLEMENTO ANTECIPADO DO FORNECEDOR. CAUSA RESOLUTIVA DO NEGÓCIO JURÍDICO. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. RESTITUIÇÃO DE TODAS A QUANTIAS DESEMBOLSADAS. REEMBOLSO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM A TÍTULO DE DANO EMERGENTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1.       A rescisão contratual antes do vencimento da prestação principal (entrega do imóvel) é direito que assiste ao consumidor, se no decorrer da execução de contrato de promessa de compra e venda, as circunstâncias indicarem a inviabilidade ou impossibilidade de cumprimento da obrigação contraída pela incorporadora. Aplicação da teoria do inadimplemento antecipado.

2.      A mora ou o inadimplemento na entrega do imóvel, é fato bastante e suficiente para fundamentar a resolução da promessa de compra e venda de imóvel pelo consumidor.

3.       Se a resolução da promessa de compra e venda do imóvel ocorre por culpa do incorporador, as partes devem ser restituídas ao status quo ante e a devolução dos valores desembolsados pelo adquirente deve ser integral (Súmula 543/STJ).

4.      Não se mostra cabível a retenção de qualquer percentual do montante desembolsado pelo promissário comprador, porquanto a multa é a prefixação das perdas e danos, imputável a quem der causa à resolução do contrato. Seria um contrassenso admitir sua exigência pelo incorporador, cuja culpa é razão da resolução do negócio jurídico.

5.       Diante da rescisão do contrato por culpa exclusiva da promitente vendedora, o reembolso dos valores pagos a título comissão de corretagem e parcelas do financiamento compreende a reparação dos danos emergentes, consequência lógica do retorno das partes ao status quo ante.

6.      RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(Acórdão 1071676, 20160710100783APC, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA,  4ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 31/1/2018, publicado no DJE: 5/2/2018. Pág.: 436/438).

Haverá a possibilidade de o comprador, inclusive, pedir a inversão da cláusula penal que, na maior parte das vezes, estabelece multa pelo desfazimento do negócio apenas em seu desfavor, conforme recurso repetitivo julgado pelo STJ, tese do Tema 971:

Tema 971 – “No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.” Resp 1.614.721/DF e Resp 1.631.485/DF

Assim, mesmo não tendo chegado ao prazo final previsto para a entrega da obra, sendo incontroverso ou, pelo menos, de grande manifestação o atraso, será possível que o comprador peça a rescisão antecipada de seu contrato.