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Qual é o impacto da decisão do STF sobre a capitalização mensal de juros, nos contratos?

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento virtual finalizado em 29/06/2024, decidiu que é constitucional o art. 5º da MP 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, que permite a capitalização de juros em período menor que um ano.

Essa decisão, que ainda não transitou em julgado, e, portanto, não é imutável, embora as chances de modificação sejam pequenas, foi proferida recentemente e, aparentemente, pôs fim a uma controvérsia antiga, surgida quando do ingresso de uma ação que questionava a norma, ainda no ano de 2000.

Inicialmente, no julgamento, foi considerado que o Partido Liberal, partido que ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade, por ser um partido político com representação no Congresso Nacional, poderia ter proposto a referida ação.

No mérito do recurso, foi consignado que não haveria possibilidade de o Judiciário aferir os pressupostos de relevância e urgência da Medida Provisória, algo que cabe ao chefe do Executivo e do Congresso Nacional, somente sendo passível esse exame quando houver abuso do poder político ou desvio de finalidade, algo que, no caso, não foi vislumbrado.

A respeito da inconstitucionalidade formal apontada, o ministro Nunes Marques, relator da ação, afirmou que a necessidade de edição de Lei Complementar para regulamentação do Sistema Financeiro Nacional não engloba a sistemática dos juros, algo que pode ser feito por meio de leis ordinárias, com o Código Civil e o Código de Defesa dos Consumidores.

Por fim, foi decidido que a alegação de atecnia legislativa, em razão de existência de conexão entre a norma impugnada e a medida provisória seria matéria restrita ao plano da legalidade e não da constitucionalidade.

Desse modo, seguindo precedentes do próprio Supremo e do STJ, foi decidido que a capitalização mensal de juros, para os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que expressamente prevista no contrato, é constitucional, podendo, portanto, ser cobrada.

Veja a decisão e o processo.

O que isso muda, na prática?

Absolutamente, nada.

A decisão proferida pelo Supremo apenas sepultou um sonho antigo de que a capitalização mensal de juros pudesse ser expurgada do ordenamento jurídico, mas esse sonho, como qualquer utopia, sabidamente era muito distante.

Há muito tempo a posição dos Tribunais era pela constitucionalidade/validade da cobrança da capitalização mensal de juros pelos entes integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Essa permissão, contudo, não é irrestrita.

É necessário que a capitalização mensal seja feita por quem integre o Sistema Financeiro Nacional

Primeiramente, é necessário que a referida cobrança seja feita por um ente que integre o Sistema Financeiro Nacional, algo que não pode ser ignorado, que, no geral, são apenas as instituições financeiras.

Não sendo instituição financeira, não será possível realizar a capitalização mensal de juros, mesmo que expressamente prevista em contrato. A capitalização mensal de juros em contratos de mútuo civil, firmado com pessoa jurídica que não integra o Sistema Financeiro Nacional, constitui prática vedada em nosso ordenamento jurídico, nos termos do disposto no art. 2º da Medida Provisória n.º 2.172-32, de 23 de agosto de 2001, vigente por força da EC n.º 32:

Art. 2º São igualmente nulas de pleno direito as disposições contratuais que, com o pretexto de conferir ou transmitir direitos, são celebradas para garantir, direta ou indiretamente, contratos civis de mútuo com estipulações usurárias.

Assim, não sendo a parte integrante do Sistema Financeiro Nacional, a cobrança de juros capitalizados mensalmente é vedada, sendo permitida apenas a capitalização anual, de acordo com o artigo 4º do Decreto n. 22.626, de 07 de abril de 1933:

Art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano.

Essa, aliás, é a posição recorrente da justiça, em decisões que, na maior parte das vezes, vemos em casos que envolvem a comercialização de imóveis por empresas do ramo imobiliário, como incorporadoras, construtoras e imobiliárias, veja:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE LOTE. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA AFASTADO. SÚMULA 28 DESTA CORTE. CAPITALIZAÇÃO PREVISTA ANUAL. POSSIBILIDADE. RETENÇÃO DOS VALORES QUITADOS. FLUTUAÇÃO ENTRE 10% E 25%.

(…).

2. Nos contratos de compra e venda de imóveis celebrados entre particulares é admissível a capitalização anual, a teor do art. 4º do Dec. n. 22.626, de 1933, c/c art. 4º e 5º da Lei n. 9.514, de 1997, vedada a capitalização mensal.

(…)

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5472613-48.2017.8.09.0064, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR MARCUS DA COSTA FERREIRA, 5ª Câmara Cível, julgado em 16/02/2022, DJe  de 16/02/2022)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. APLICAÇÃO DO CDC. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IGP-M. PREVISÃO CONTRATUAL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PRÁTICA VEDADA. TABELA PRICE. MANUTENÇÃO DA POSSE. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE, DE OFÍCIO.

(…)

2. A contratação da capitalização mensal de juros pode ser verificada pela simples previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal.

3. A capitalização mensal de juros em contratos de mútuo civil, firmado com pessoa jurídica que não integra o Sistema Financeiro Nacional, constitui prática vedada em nosso ordenamento jurídico, conforme artigo 2º da Medida Provisória n. 2.172-32, de 23 de agosto de 2001 (…). (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5719670-49.2019.8.09.0051, Rel. Des(a). DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, 6ª Câmara Cível, julgado em 24/01/2022, DJe  de 24/01/2022)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. LOTEAMENTO URBANO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PERÍCIA. MANTENÇA NA POSSE DO IMÓVEL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

1. É vedada a prática de capitalização mensal de juros em contratos de mútuo civil celebrados com construtora/incorporadora, haja vista que esta não se equipara à instituição financeira (art. 2º da Medida Provisória nº 2.172/32 de 23 de agosto 2001, vigente por força da EC nº 32, e art. 4º do Decreto nº 22.623/33), admitindo-se, contudo, a capitalização em periodicidade anual (precedentes deste Sodalício). (…) (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5459698-98.2020.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR CARLOS HIPOLITO ESCHER, Goiânia – 25ª Vara Cível, julgado em 14/12/2021, DJe  de 14/12/2021)

A capitalização mensal não pode ser feita, nem por integrante do Sistema Financeiro Nacional, antes da edição da Medida Provisória n.º 1.963-17/2000.

Outro ponto importante é que a capitalização mensal de juros, praticada pelos integrantes do SFN, somente se tornou permitida com a edição da Medida Provisória n.º 1.963-17/2000, que foi editada em 31/05/2000, atualmente reeditada pela MP 2.170-36/2001:

3. Admite-se a incidência da capitalização mensal de juros em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/00 (em vigor como MP 2.170/01), desde que expressamente pactuada.

4. Por ‘expressamente pactuada’ deve-se entender a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal, dispensando-se a inclusão de cláusula com redação que expresse o termo ‘capitalização de juros’ (REsp 973827/RS, Recurso Especial Repetitivo, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012).

Acórdão 1352187, 07053866420208070012, Relatora: SIMONE LUCINDO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 30/6/2021, publicado no PJe: 9/7/2021.

Dessa forma, caso o contrato tenha sido celebrado antes de 31/05/2000, mesmo que com uma entidade integrante do SFN e com previsão expressa da capitalização mensal de juros, esta será considerada inválida pela justiça.

Necessidade de pactuação expressa da capitalização mensal de juros

Há, ainda, a necessidade de que essa capitalização, quando feita em contratos após 31/05/2020, com entidade integrante do SFN, tenha previsão expressa da referida capitalização.

Essa previsão pode ser por meio de uma cláusula contratual, dizendo que a periodicidade da capitalização será mensal ou, então, pela previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal, por exemplo, taxa de juros mensal de 1% e anual de 12,89%.

Nessa situação, será permitida a realização da capitalização mensal de juros.

Em muitos casos, vemos, na prática, que não existe a pactuação da capitalização mensal de juros, contudo, na execução do contrato, por meio de uso da Tabela Price, principalmente, há o uso dessa periodicidade de capitalização mensal de juros, algo que é vedado, em razão da ausência de expressa pactuação.

Conclusão

Dessa forma, a decisão do STF apenas confirmou algo que a justiça vinha decidindo a quase 25 anos, sem nenhuma surpresa.

Evidentemente, se houvesse a declaração da inconstitucionalidade da norma, isso resultaria em um grande benefício aos consumidores, que poderia questionar a capitalização mensal dos juros em seus contratos, de forma mais abrangente, algo que resultaria em economia enorme de valores.

Entretanto, a decisão não altera as balizas anteriormente definidas para a realização da capitalização mensal dos juros, algo que deverá continuar sendo observado pelas entidades integrantes do SFN e das demais empresas.

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