O que mais se vê no funcionalismo público, tanto em relação aos servidores em atividade como aqueles que estão aposentados e os pensionistas, é um alto nível de endividamento, principalmente por meio dos empréstimos consignados.
Muitos fatores contribuem para esse comprometimento tão grande da renda com empréstimos, como o fato de o Poder Público não reajustar a remuneração dos servidores observando, pelo menos, a recomposição da inflação, muito menos efetivando ganho real.
Há, também, a situação de socorro a parentes e amigos por meios de empréstimos contraídos pelo próprio servidor, sem contar as situações de urgência decorrentes de problemas de saúde.
Existe ainda a gigantesca oferta de crédito, aliada ao descontrole financeiro.
Tudo isso faz com que o servidor público contraia muitos empréstimos, comprometendo, em muitos casos, uma parcela significativa de sua remuneração, alcançando 50%, 70% ou até mais de seus rendimentos.
O Superendividamento
Essa situação de comprometimento significativo da renda é considerada como o superendividamento e, no ano de 2021, surgiu a Lei de n.º 14.181, com o objetivo de proteger os consumidores, pessoas físicas, dessas situações em que sua remuneração é consumida quase que integralmente por empréstimos feitos.
Essa lei veio com o objetivo de trazer uma solução a quem se encontra nessa situação de não conseguir viver com sua remuneração por conta dos empréstimos, considerado como o mínimo existencial.
A conciliação com possibilidade de redução de valores
Podendo ser realizada uma conciliação, ou seja, um acordo, onde o consumidor apresentará uma proposta de repactuação de suas dívidas, com um plano de pagamento por prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservando o mínimo necessário para sua sobrevivência (art. 104-A, caput, do Código de Defesa do Consumidor).
Nesse plano a ser oferecido pelo consumidor poderá constar redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor (art. 104-A, § 4º, inciso I, do CDC), o que significará redução da dívida.
Havendo acordo, haverá a homologação do plano pelo juiz, contudo, em caso de não ocorrer esse acordo, o magistrado poderá elaborar um plano judicial compulsório, que deverá ser seguido.
Quais dívidas podem ser objeto dessa ação?
Praticamente todas dívidas podem ser readequadas por meio dessa lei, como compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
Englobando, assim, cartão de crédito, empréstimo pessoal, cheque-especial, compras a prazo, empréstimos consignados.
Quais dívidas NÃO podem ser readequadas?
Dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.
Além disso, operações de crédito oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural, também não poderão ser discutidas nesta ação.
Quantas vezes é possível pedir essa repactuação?
Não existe um limite de quantas vezes se pode fazer esse pedido de negociação das dívidas, a lei apenas exige que, para cada vez que ele for feito, tem de ter passado o prazo de 2 (dois) anos da quitação integral das dívidas que foram objeto do plano anterior.
A liminar para LIMITAÇÃO dos descontos dos empréstimos em 30% da remuneração líquida
Mesmo que essa lei não traga a definição do que seria o mínimo existencial e a possibilidade de se pedir, de imediato, uma limitação dos valores, a Justiça tem entendido pela possibilidade de limitação dos empréstimos em 30% (trinta por cento) da renda líquida.
Para que haja a apuração do que é a remuneração líquida do devedor, é importante descontar do valor bruto o valor referente a imposto de renda, contribuição previdenciária e outros descontos obrigatórios, como pensão alimentícia.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que os descontos de prestações de empréstimos não podem ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) dos rendimentos líquidos do devedor.
E os Tribunais estão aplicando essa redução imediata nas dívidas, em processos que discutem o superendividamento:
3. Ainda que não haja previsão de suspensão imediata da exigibilidade das dívidas no processo de superendividamento, é possível a antecipação da tutela garantidora do consumidor nas situações concretas em que a espera pela audiência de conciliação ou resolução de mérito coloquem em risco o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, o mínimo existencial.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA PARTE, DESPROVIDO.”
(TJGO, Agravo de Instrumento 5288468-46.2024.8.09.0051, Rel. Des(a). MARCUS DA COSTA FERREIRA, 5ª Câmara Cível, julgado em 03/06/2024, DJe de 03/06/2024).
3. Pretendendo a parte autora a repactuação de dívidas com escopo nas disposições da Lei nº 14.181/21, Lei do Superendividamento, bem como identificado os requisitos do artigo 300 do CPC, impositivo se faz a concessão da tutela pretendida, para autorizar a suspensão dos empréstimos até o limite de 30% (trinta por cento) dos rendimentos líquidos. Agravo de instrumento conhecido e provido.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5589871-33.2024.8.09.0000, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR GILBERTO MARQUES FILHO, 3ª Câmara Cível, julgado em 16/07/2024, DJe de 16/07/2024)
2. Demonstrado que o autor/agravado, professor que tem mais de 60% de sua renda líquida comprometida, considerando parcelas de empréstimos contratados e demais descontos e, por isso, encontrando-se em situação de superendividamento, impositiva a confirmação da tutela de urgência deferida pelo juízo primevo, a fim de limitar os descontos operados pela instituição financeira, com fulcro no art. 5°, §4º da Lei Estadual nº 16.898/2010.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quinta Turma Julgadora de sua Quarta Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER DO AGRAVO DE INSTRUMENTO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5371961-73.2024.8.09.0065, Rel. Des(a). Gilmar Luiz Coelho, 4ª Câmara Cível, julgado em 16/07/2024, DJe de 16/07/2024)
Dessa forma, se você está passando por uma situação de absorção de grande parte de sua remuneração/salário por conta de empréstimos bancários, não é necessário viver nesse sofrimento de ver seu dinheiro indo apenas para pagamento dessas dívidas.
É possível renegociá-las, por meio de um processo judicial, e ainda obter uma liminar para limitação dos descontos, possibilitando que os valores sejam pagos dentro do que é viável na sua realidade financeira.