Na execução de uma dívida reconhecida judicialmente, os bens de quem está na situação de devedor podem ser levados a leilão para o pagamento desse débito.
O leilão de um imóvel não é o primeiro recurso utilizado pelo credor para obter a satisfação do crédito. Primeiramente, tenta-se penhorar valores e ativos financeiros existentes em conta bancária, pelo fato de que, se for proveitoso esse meio, bastará transferir o valor ao credor para ocorrer o pagamento.
Não sendo possível essa modalidade, outras são tentadas, como a penhora de veículos e até de imóvel.
Dívidas, como a de taxas/cotas condominiais, podem levar o imóvel no qual o devedor mora a ser leiloado.
Algumas etapas devem ser observadas, sob pena de caracterizar nulidade e possibilitar suspender ou anular o leilão judicial, no curso do processo de execução.
A avaliação do imóvel
Para que ocorra o leilão ou outra forma de alienação do imóvel que foi penhorado, é obrigatório que haja a sua avaliação.
A avaliação é o ato de precificar o bem que está para ser levado a leilão, estabelecendo, de acordo com as suas características, o seu valor real.
Via de regra, essa avaliação é feita pelo oficial de justiça (art. 870, caput, do Código de Processo Civil (CPC)). Apenas quando houver um bem que necessite de conhecimentos específicos o juiz poderá nomear um avaliador (perito).
Há algumas hipóteses, elencadas pela própria lei, que não há necessidade de se realizar a avaliação, conforme dispõe o art. 871 e incisos, da lei processual:
Art. 871. Não se procederá à avaliação quando:
I – uma das partes aceitar a estimativa feita pela outra;
II – se tratar de títulos ou de mercadorias que tenham cotação em bolsa, comprovada por certidão ou publicação no órgão oficial;
III – se tratar de títulos da dívida pública, de ações de sociedades e de títulos de crédito negociáveis em bolsa, cujo valor será o da cotação oficial do dia, comprovada por certidão ou publicação no órgão oficial;
IV – se tratar de veículos automotores ou de outros bens cujo preço médio de mercado possa ser conhecido por meio de pesquisas realizadas por órgãos oficiais ou de anúncios de venda divulgados em meios de comunicação, caso em que caberá a quem fizer a nomeação o encargo de comprovar a cotação de mercado.
Mesmo quando ocorrer a aceitação da estimativa pela outra parte, caso o magistrado tenha dúvida em relação ao real valor do bem, ele poderá determinar que seja realizada a avaliação (parágrafo único, do art. 871, CPC).
E para que haja regularidade na avaliação, algumas etapas, documentos e forma devem ser observadas pelo avaliador, via de regra, o oficial de justiça, e pelo magistrado, sob pena de gerar nulidade que o devedor poderá alegar e suspender ou anular o leilão judicial designado.
1º erro – ausência de vistoria e laudo
Para se realizar a avaliação, a legislação exige o seguinte:
Art. 872. A avaliação realizada pelo oficial de justiça constará de vistoria e de laudo anexados ao auto de penhora ou, em caso de perícia realizada por avaliador, de laudo apresentado no prazo fixado pelo juiz, devendo-se, em qualquer hipótese, especificar:
I – os bens, com as suas características, e o estado em que se encontram;
II – o valor dos bens.
A vistoria que é mencionada é a ida, presencial, do oficial de justiça ao bem, para que verifique, com os próprios olhos, a situação do bem que será avaliado, no caso do nosso texto, do imóvel.
Não é raro que essa situação aconteça. Há casos em que o oficial de justiça fixa o valor do imóvel com base em informações obtidas da internet, do valor venal constante no cadastro do IPTU, fornecido pela Prefeitura Municipal, ou pelo valor da última aquisição, constante da certidão de inteiro teor da matrícula, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis.
É necessário que essa “visita” ocorra para que tudo possa ser visto pelo oficial de justiça e sopesado quando houver a fixação do preço do bem. É na vistoria que ele poderá verificar, atualmente, o estado do bem, suas características, conservação, problemas que possa ter, etc.
Sem a realização de vistoria, poderá ocorrer a nulidade da avaliação e, consequentemente, do leilão.
Outro aspecto que a lei impõe é que o oficial de justiça deverá produzir um laudo, esse documento, que é uma espécie de Raio-X do imóvel, deverá conter fotos, tamanho, área, quantidade de cômodos, descrição do bem, enfim, todas as características do imóvel e método utilizado para se chegar ao valor.
A ausência ou imprecisão da descrição do imóvel, no laudo (auto), resultará em nulidade, veja:
Agravo de instrumento – execução de título extrajudicial com garantia hipotecária – avaliação pela perita judicial – decisão que não homologou o laudo de avaliação do imóvel – alegada ausência de avaliação fracionada do bem e da regular intimação do cônjuge acerca do resultado da avaliação – hipótese em que o auto de avaliação não esclarece se o bem, imóvel rural, permite desmembramento – observância do art. 872, §1º do Código de Processo Civil – determinação de nova avaliação, a fim de apurar se o imóvel é suscetível de cômoda divisão – intimação pessoal da devedora por meio de sua curadora, acerca da avaliação – agravo improvido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2177046-10.2021.8.26.0000; Relator (a): Coutinho de Arruda; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 10ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/03/2023; Data de Registro: 07/03/2023)
E de igual forma em relação à ausência de vistoria, há casos em que o oficial de justiça não apresenta um laudo, apenas uma certidão informando que avaliou o imóvel objeto da penhora e “x” valor, algo que poderá resultar em nulidade do leilão judicial.
2º erro – avaliação subjetiva
Na avaliação, o oficial de justiça ou avaliador nomeado pelo juiz, deverão dizer, de forma concreta, detalhada e fundamentada, como chegarão ao valor proposto.
Caso tenha havido pesquisas para se chegar ao preço, como consulta à imobiliárias ou anúncios de imóveis similares na internet, isso tem de ficar descrito e detalhado no laudo.
Apenas fixar o preço, sem a demonstração de como se chegou a tal valor, não é considerado como meio adequado de avaliação, caracterizando a avaliação subjetiva, quando o preço é obtido através de suposições do oficial ou do avaliador, resultando em nulidade, veja:
Agravo de instrumento. Ação monitória. Etapa de execução. Penhora. Preclusão inexistente. Avaliação de imóveis por oficial de justiça. Inadmissibilidade, no caso, uma vez que realizado o trabalho a partir de mera estimativa subjetiva do avaliador, não constando nem mesmo a indicação das fontes correspondentes à suposta pesquisa de preços. Necessidade de nomeação de perito avaliador, nos termos do art. 872 do CPC. Deram provimento ao agravo.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2166567-21.2022.8.26.0000; Relator (a): Ricardo Pessoa de Mello Belli; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro de Orlândia – 1ª Vara; Data do Julgamento: 07/03/2023; Data de Registro: 07/03/2023)
3º erro – Ausência de intimação da avaliação
Outro equívoco que gera a suspensão do leilão, em razão de nulidade, é a ausência de intimação do devedor acerca da avaliação realizada.
O art. 872, § 2º, do CPC, determina a realização da intimação das partes sobre a avaliação que foi realizada, no prazo de cinco dias, veja:
Art. 872. (…)
§ 2º Realizada a avaliação e, sendo o caso, apresentada a proposta de desmembramento, as partes serão ouvidas no prazo de 5 (cinco) dias.
Essa intimação serve para que o credor e o devedor possam exercitar o seu direito de se manifestar em relação à avaliação que foi feita, podendo alegar diversos erros, como os que foram detalhados em tópicos anteriores.
A ausência desse importantíssimo ato processual, resulta em nulidade, que o devedor poderá alegar para impedir o prosseguimento do leilão ou o seu desfazimento, conforme a justiça tem entendido:
Agravo de instrumento – Cumprimento de sentença – Necessidade de intimação do executado para se manifestar sobre as avaliações unilateralmente trazidas pela exequente, em observância ao princípio do contraditório, com posterior decisão do juízo “a quo” sobre o valor que entender correto. Leilão judicial – Edital – Imprescindível a intimação do executado, com pelo menos 5 dias de antecedência, da data do leilão – Inteligência do art. 889, do CPC. Recurso provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2035583-12.2023.8.26.0000; Relator (a): Afonso Celso da Silva; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Pires – 3ª Vara; Data do Julgamento: 11/04/2023; Data de Registro: 11/04/2023)
4º erro – ausência de intimação dos coproprietários
Da mesma forma que é direito do devedor ser intimado acerca da avaliação do imóvel, os coproprietários, isto é, outras pessoas que também são donas daquele imóvel que está sendo levado a leilão, também possuem o direito de serem intimadas acerca da avaliação do imóvel que foi realizada.
Pode ocorrer, em determinada situação, que um imóvel que pertença a várias pessoas seja levado a leilão pela dívida de apenas uma delas.
Nessa situação, a cota-parte dos demais proprietários deverá ser resguardada com o valor que for obtido no leilão, devendo, essa parcela do valor, a eles ser destinada.
Todavia, realizada a avaliação do bem, também a esses coproprietários deve haver a sua intimação, dando-lhes ciência do preço encontrado, veja:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALIMENTOS. PENHORA DE BEM IMÓVEL. AGRAVANTE QUE É COPROPRIETÁRIO DE FRAÇÃO IDEAL DO IMÓVEL E PLEITEIA A SUA LIBERAÇÃO, ASSEVERANDO QUE NÃO POSSUI QUALQUER RELAÇÃO COM O DÉBITO ALIMENTAR, DEVIDO PELO EXECUTADO. DECISÃO QUE DETERMINARA, EM VERDADE, A CONSTRIÇÃO TÃO-SOMENTE DA FRAÇÃO IDEAL DE TITULARIDADE DO EXECUTADO, DE TAL SORTE QUE OS DIREITOS DO RECORRENTE SERÃO PRESERVADOS, NOS TERMOS DO ART. 843 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TESE DE QUE O IMÓVEL, POR CONSTITUIR BEM DE FAMÍLIA LEGAL (LEI N. 8.009/90), SERIA INTEIRAMENTE IMPENHORÁVEL. INADMISSIBILIDADE. DÉBITO ALIMENTAR QUE EXCEPCIONA A REGRA DE IMPENHORABILIDADE (ART. 3º, INCISO III DA LEI 8.009/90). CONSTRIÇÃO MANTIDA. SEM EMBARGO, VERIFICA-SE, DA ANÁLISE DA CERTIDÃO DE MATRÍCULA DO IMÓVEL, QUE HÁ OUTROS COPROPRIETÁRIOS CUJA INTIMAÇÃO AINDA NÃO FOI REALIZADA. INTIMAÇÃO DE RIGOR, INCLUSIVE PARA QUE SE MANIFESTEM ACERCA DO LAUDO DE AVALIAÇÃO DO IMÓVEL, EVITANDO-SE ALEGAÇÃO DE ULTERIOR NULIDADE DE EVENTUAL EXPROPRIAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 889, “CAPUT”, CPC. DECISÃO REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM OBSERVAÇÃO.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2051683-42.2023.8.26.0000; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/04/2023; Data de Registro: 14/04/2023)
5º erro – defasagem da avaliação
Uma situação que também é comum de se observar é a defasagem da avaliação que foi realizada.
É que após a avaliação ser realizada, é possível pedir para que outra seja feita, nas seguintes hipóteses:
Art. 873. É admitida nova avaliação quando:
I – qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador;
II – se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem;
III – o juiz tiver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem na primeira avaliação.
A defasagem da avaliação, hipótese prevista no inciso II, do art. 873, do CPC, via de regra, ocorre após certo período de tempo entre a avaliação e o próprio leilão.
É que nem sempre o leilão é realizado rapidamente e, diante da demora, pode haver a valorização ou, em menores vezes, a desvalorização do imóvel, algo que reclama a realização de nova avaliação.
Não há um prazo certo para que isso ocorra, situações inesperadas podem surgir, em curto decurso de prazo, que façam com que um imóvel se valorize ou perca preço (passagem de uma avenida na frente do imóvel, asfaltamento das ruas do bairro, passagem de esgoto, erosão, ruína de parte do bem).
Costuma-se alegar a defasagem da avaliação quando há um intervalo de 2 anos, pelo menos, entre a avaliação e a realização do leilão, podendo ter havido mudança do valor do imóvel, nesse período.
Essa alegação, contudo, deve vir com provas robustas dessa alteração de valor do bem para que possa ser aceita.
Veja, nessa decisão judicial, um caso em que houve significativa elevação do valor do imóvel, em a avaliação feita há 10 (dez) anos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO À ARREMATAÇÃO. PEDIDO DE REAVALIAÇÃO DE BEM IMÓVEL ARREMATADO. LONGO LAPSO TEMPORAL. ALTERAÇÃO DE VALOR DE MERCADO. ATUALIZAÇÃO ATRAVÉS DE ÍNDICES OFICIAIS QUE NÃO SE MOSTRA SUFICIENTE. REALIZAÇÃO DE NOVA AVALIAÇÃO QUE NÃO IMPLICARÁ AUTOMATICAMENTE A NULIDADE DO LEILÃO REALIZADO. Primeiro, acolhe-se o pedido de nova avaliação do imóvel. Ato processual realizado há quase dez anos. Defasagem no valor do imóvel demonstrada, uma vez que o imóvel arrematado teve um aumento que atingiu ao menos o triplo do que constava na avaliação efetuada em 2012. Incidência do art. 873 do CPC. Atualização monetária dos valores avaliados pelos índices oficiais que não se mostrava adequada para obtenção do efetivo valor de mercado. Precedentes do STJ e da Turma Julgadora. Necessária a realização de nova avaliação, que não implicará automaticamente na nulidade da arrematação do imóvel. Caso a nova avaliação indique valor próximo ou idêntico ao fixado pela já realizada,o ato poderá ser mantido. Por outro lado, se o preço encontrado se mostrar, significativamente superior ao da primeira, será caso de nova apreciação da validade pelo juízo de primeiro grau. E segundo, rejeita-se a alegação de nulidade no lance efetuado pelo arrematante. Ainda que submetida fora do horário do leilão, foi a única proposta apresentada, de forma adequada e idônea. Ademais, além de ter sido minuciosamente relatada pela leiloeira (fls. 750/762), a situação não gerou qualquer prejuízo aos envolvidos. Aplicação do artigo 277 do CPC. Decisão reformada para que seja realizada nova avaliação do imóvel. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO COM OBSERVAÇÃO
(TJSP; Agravo de Instrumento 2197902-58.2022.8.26.0000; Relator (a): Alexandre David Malfatti; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Casa Branca – 1ª Vara; Data do Julgamento: 07/10/2022; Data de Registro: 07/10/2022)
No caso acima, a defasagem da avaliação seria apreciada pelo juiz de primeira instância como hipótese de nulidade do leilão caso o valor fosse significativamente superior ao primeiro encontrado.
Conclusão
O processo de execução deve ser acompanhado pelo devedor, a fim de exercer todos os seus direitos garantidos por lei, evitando que o seu patrimônio seja afetado mais do que o necessário, especialmente quando houver o desrespeito aos atos impostos pela lei como imprescindíveis.
A irregularidade do processo de execução poderá resultar em nulidades que, se fundamentadas e com razão, poderão suspender ou anular um leilão judicial.