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Anulação de leilão de imóvel por valor muito abaixo de sua avaliação

Chegar ao ponto de ter o seu imóvel leiloado pode trazer muitas apreensões, angústias, medos e insegurança.

O procedimento de leilão extrajudicial tem, porém, de observar vários detalhes que estão previstos na lei, sem os quais, todo o procedimento pode ser anulado ou, então, pode ser revertido em indenização para aquele que teve o seu imóvel leiloado.

Não é incomum, encontrar, em vários casos, irregularidades no procedimento do leilão que resultam em nulidades.

Uma dessas nulidades é relativa ao preço pelo qual o imóvel pode ser arrematado nesse leilão.

Por qual valor um imóvel pode ser arrematado no leilão extrajudicial?

A lei que trata desse tema, Lei de n.º 9.514/97, estipula em seu art. 27, a realização de dois leilões.

No primeiro leilão, segundo o § 1º, do artigo acima citado, o imóvel deve ser leiloado pelo seu preço de avaliação.

E quem faz essa avaliação? Essa avaliação foi feita pelo banco, no contrato de financiamento que foi firmado entre você e ele.

É comum, nesses contratos, constar esse tipo de cláusula, que prevê, desde o início do contrato, o valor pelo qual o imóvel poderá ser vendido em um leilão:

Esse valor, contudo, não é fixo. O leilão é uma etapa que ocorre depois de um certo tempo de inadimplência e isso pode, no caso concreto, ocorrer apenas após 5, 10 ou 15 anos de vigência desse contrato, a título de exemplo.

Durante esse período, o valor deve ser atualizado, caso contrário, o imóvel não teria recebido a sua devida atualização ao longo do tempo, havendo uma defasagem de seu valor significativa, o que propiciaria realizar o leilão por uma quantia muito abaixo do que ele realmente vale.

Para evitar esse tipo de situação, nos contratos, constam a forma de atualização do valor do imóvel, que costuma seguir o mesmo índice de correção monetária para o débito cobrado:

No geral, se utiliza do IGP-M para atualizar o valor:

Dessa forma, no primeiro leilão, o valor pelo qual o imóvel pode ser leiloado é pelo seu valor, previsto no contrato, com a aplicação da forma de correção até a data do leilão, evitando-se que o imóvel seja vendido por um valor insignificante.

A atualização do valor, mesmo pela aplicação do índice do contrato, pode não ter acompanhado a real valorização do imóvel ao longo dos anos, o que poderá ser questionado pelo devedor que tem o seu bem levado a leilão, mediante prova robusta de que a valorização de seu imóvel superou a avaliação inicial.

No segundo leilão, a regra é diferente.

O § 2º, do art. 27, diz o seguinte:

§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, podendo, caso não haja lance que alcance referido valor, ser aceito pelo credor fiduciário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem.

Passado o primeiro leilão sem que tenha havido alguém que arrematasse o imóvel, no segundo leilão, o bem pode ser vendido pelo valor da dívida atualizada, somada com todos os encargos e despesas.

A partir do ano de 2023, com a edição da Lei 14.711, houve o incremento desse artigo para proibir que houvesse a arrematação do imóvel por valor menor que a metade de sua avaliação.

O problema do segundo leilão – preço vil – valor da dívida que pode resultar em leilão de imóvel por quantia insignificante

Acontece, porém, que em muitos casos houve a realização do segundo leilão apenas pelo valor da dívida, resultando em venda de imóveis por menos que 50% (cinquenta por cento) do valor da avaliação, seja por descumprimento da lei atual, seja por dizerem que essa obrigação, antes do ano de 2023, não atingia os leilões já realizados, resultando em uma alienação pelo que chamamos de preço vil.

Há casos, em que o imóvel pode chegar próximo ao valor de um milhão de reais e, a sua dívida, não corresponder a 20% (vinte por cento) dessa quantia.

No exemplo abaixo, no 1º Leilão o valor do imóvel era de R$ 923.319,80; no 2º, o valor de seu lance mínimo foi de R$ 194.323,82:

1º leilão:

2º leilão:

Embora a lei de n.º 9.514/97 não falasse originalmente sobre esse problema que é a possibilidade de alguém arrematar o imóvel pelo preço muito inferior à avaliação, o art. 891, parágrafo único, do Código Civil, prescreve que é considerado preço vil, ou seja, valor pelo qual um bem não pode ser vendido, aquilo que for menor que 50% (cinquenta por cento) de sua avaliação.

Art. 891. Não será aceito lance que ofereça preço vil.

Parágrafo único. Considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.

Dessa forma, mesmo antes da alteração legal ocorrida em 2023, o leilão do imóvel, na segunda praça, não poderia ocorrer por um valor menor que cinquenta por cento de sua avaliação, pela aplicação subsidiária do artigo acima informado.

Havendo a arrematação por valor inferior a esse limite, haverá o que é chamado de arrematação por preço vil, caracterizando a nulidade do leilão realizado, conforme entendimento da justiça:

Apelação – ação de suspensão de leilão extrajudicial – Lei 9.514, de 1997 – teoria do adimplemento substancial – inaplicabilidade – leilão por preço vil – ocorrência – valor inferior à 50% da avaliação do bem – aplicação do art. 27, da lei 9.514, de 1997 c.c. art. 891 do CPC – apelação à qual se dá parcial provimento.
1. Dado se tratar de contrato regido pela lei de alienação fiduciária (Lei 9.514, de 1997), em caso de inadimplência, a purgação da mora só ocorre com o pagamento da integralidade do contrato, ou seja, das parcelas vencidas e vincendas, não se aplicando a teoria do adimplemento substancial.
2. Consoante regra dos art. 27 da Lei 9.514, de 1997 e art. 891, do Código de Processo Civil, configura arrematação por preço vil quando a alienação atinge menos de 50% do valor atualizado da avaliação.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.19.169119-5/003, Relator(a): Des.(a) Marcelo Rodrigues , 21ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 31/07/2024, publicação da súmula em 08/08/2024)


“(…) a vedação à alienação por preço vil tem aplicação em todas as formas de transmissão coativa dos bens penhorados, seja na adjudicação, seja na alienação (art. 825 do CPC/15). Logo, também incide nas subespécies de alienação, isto é, por iniciativa particular e por leilão judicial eletrônico ou presencial (art. 879 do CPC/15)” (REsp nº 2.039.253/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023).


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEI Nº 9.514/1997. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ARREMATAÇÃO A PREÇO VIL. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO CITRA PETITA. CARACTERIZAÇÃO. VALOR DA CAUSA. FIXAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO.

(…)

4. Mesmo antes da vigência da Lei nº 14.711/2023, é possível a invocação não só do art. 891 do CPC/2015, mas também de outras normas, tanto de direito processual quanto material, que i) desautorizam o exercício abusivo de um direito (art. 187 do Código Civil); ii) condenam o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil); iii) determinam a mitigação dos prejuízos do devedor (art. 422 do Código Civil) e iv) prelecionam que a execução deve ocorrer da forma menos gravosa para o executado (art. 805 do CPC/2015), para declarar a nulidade da arrematação a preço vil nas execuções extrajudiciais de imóveis alienados fiduciariamente.

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