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O risco de comprar imóvel de vendedor fantasma

Na compra e venda de imóvel, todo cuidado é pouco na hora de analisar a documentação da parte vendedora e do imóvel, tarefa denominada de auditoria jurídica ou due diligence.

A falta de observância de um documento, análise mal feita ou displicência podem redundar em um enorme prejuízo ao comprador.

Quando falamos de imóveis negociados no interior do Brasil, principalmente em cidade pequenas, onde as pessoas possuem uma relação mais próxima e, principalmente, laços fundados na confiança, é de praxe uma tolerância maior com essa parte documental, algo que não deveria ser assim.

É que mesmo onde todo mundo se conhece há vários anos, a parte documental da compra de um imóvel não pode ser subestimada.

Há situações em que as pessoas, com um grande depósito de confiança, acabam comprando um bem de alguém que não é o seu proprietário, um caso de um vendedor fantasma.

Quem seria esse vendedor fantasma?

É aquele que parece ser o dono, mas, na verdade, não é.

Para que alguém possa se apresentar como proprietário de um imóvel é imprescindível que o bem esteja registrado em seu nome, mediante registro do título (escritura pública), no Cartório de Registro de Imóveis, caso contrário, o comprador estará lidando com qualquer tipo de pessoa, menos o proprietário do bem que é quem possui o poder de negociá-lo.

E é nesse momento que surge a figura do vendedor fantasma.

Ele se apresenta como proprietário, dizendo que adquiriu o imóvel recentemente, podendo, inclusive, apresentar um eventual contrato (o famoso contrato de gaveta), afirmando que realizou a negociação do bem com o antigo proprietário e que falta, agora, apenas a confecção da escritura e o seu registro.

A fraude

É comum, também, que esse contrato de gaveta preveja um pagamento parcelado do imóvel e, em alguns casos, esse vendedor fantasma faz esse tipo de negociação para aplicar golpes.

Negociando os imóveis para pagamento parcelado, estabelecendo apenas contratos particulares de compromisso de compra e venda, apresentando-os a pretensos compradores para dizer que o imóvel lhe pertence, quando, na verdade, isso não ocorreu, tornando aquela eventual negociação em algo totalmente precário e prejudicial ao comprador.

Desse modo, esse vendedor fantasma obtém o dinheiro desse comprador, geralmente não paga o imóvel comercializado com o proprietário de direito e este, posteriormente, por causa da inadimplência, ingressa com ações judiciais, especialmente ação de rescisão de contrato e/ou de reintegração na posse do imóvel para reaver o seu bem.

O comprador que adquiriu o imóvel do vendedor fantasma, nesse caso, é quem sofrerá o maior prejuízo, porque não terá nenhum direito frente ao real proprietário do bem.

O prejuízo que será amargado pelo comprador

Após a aquisição desse imóvel pelo comprador, do vendedor fantasma, mesmo tendo realizado a quitação integral desse contrato que foi feito, essa negociação de nada vale em relação ao proprietário real do imóvel, aquele que possui o registro do bem em seu nome.

É que, como o vendedor fantasma não tinha o direito de realizar a venda do imóvel, por não figurar como o seu proprietário perante o Registro de Imóveis, o negócio feito entre eles não atinge os direitos do proprietário real.

Esse tipo de negociação é chamado de venda a non domino, isto é, venda por quem não é o proprietário.

Não adiantará alegar eventual boa-fé, que, nesse tipo de caso, não há, pelo menos no sentido objetivo, que é o que a nossa legislação leva em consideração, pelo comprador para tentar impedir que o proprietário real retome o seu imóvel.

Deveria, o comprador, ter emitido a certidão de inteiro teor da matrícula do bem para verificar quem realmente é o dono do imóvel negociado, estabelecendo, assim, com ele, o contrato de aquisição do imóvel, por meio da escritura pública e, posteriormente, registrando-a.

Apenas dessa maneira é que se poderia falar de boa-fé.

Caracterizado o vício da venda a non domino, que atinge a validade do negócio jurídico, isto ocasionará a sua nulidade, como prevê o artigo 166, inciso II, do Código Civil:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

(…)

II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto.

Por se tratar de ato que descumpre integralmente preceito legal, a nulidade constitui um defeito insanável, não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Isto significa que o negócio jurídico nulo nunca produz os efeitos desejados pelas partes ao contratar, nos termos do artigo 169 do Código Civil.

 Esse, aliás, é o posicionamento do Judiciário:


DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO C/C RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO. VENDA DE ÁREA ANTERIORMENTE DESAPROPRIADA. VENDA A NON DOMÍNIO. OCORRÊNCIA. NULIDADE ABSOLUTA. SENTENÇA MANTIDA. 

1. (…)

2. In casu, a compra e venda da totalidade do imóvel, incluindo a área anteriormente desapropriada, foi realizada sem o consentimento do legítimo proprietário, ora empresa Apelada, desapropriante, sendo viciada a origem do negócio jurídico celebrado entre os Apelantes, especificamente sobre a área desapropriada.

3. Caracteriza-se venda a non domino o contrato de compra e venda firmado por quem não é titular do domínio do imóvel, ocasionando a nulidade absoluta do pacto, e o retorno do status quo ante de forma parcial, ou seja, atingindo somente a área desapropriada.

4. Evidenciada a sucumbência recursal diante do não conhecimento do 2º apelo, bem como do não provimento do 1º apelo, os honorários advocatícios devem ser majorados. 1ª APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. 2ª APELAÇÃO CÍVEL NÃO CONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO – Recursos – Apelação Cível 0291741-34.2012.8.09.0021, Rel. Des(a). Altamiro Garcia Filho, 4ª Câmara Cível, julgado em 02/05/2023, DJe de 02/05/2023)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUTORIZAÇÃO PARA ESCRITURAÇÃO DE IMÓVEL. VENDA A NON DOMINO. NULIDADE RECONHECIDA. SENTENÇA MANTIDA. 

1. O caso concreto trata-se de venda a non domino, ou seja, quando ocorre uma alienação de imóvel onde o vendedor não é o seu legítimo proprietário. Assim, verifica-se a nulidade da compra e venda realizada, pois foi celebrada por quem não era o legítimo proprietário do imóvel.

2. Assim, sendo nulo o contrato de compra e venda entabulado entre as partes, não há se falar em autorização para escrituração, devendo ser mantida a sentença que julgou improcedente o pleito exordial. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO – Recursos – Apelação Cível 5583560-92.2019.8.09.0164, Rel. Des(a). ÁTILA NAVES AMARAL, 3ª Câmara Cível, julgado em 13/06/2022, DJe de 13/06/2022)

Dessa maneira, o comprador sofrerá o prejuízo de não ter o imóvel que achava estar comprando de quem era o vendedor, seja por confiar demais na figura daquela pessoa que se passou como dono do imóvel, mas, principalmente, por não se atentar a emitir os documentos mais básicos para a realização de uma transação imobiliária.

O que restará ao comprador?

O fato de o comprador não permanecer com o imóvel, que é um baita prejuízo, não significa que tudo esteja perdido, haverá, ainda, a possibilidade de dele reaver, do vendedor fantasma, o valor que pagou a título de aquisição daquele imóvel, além de outros prejuízos que tiver, conforme entendimento pacífico da Justiça:

QUÁDRUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA E DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RELAÇÃO CONSTRUTORA/INCORPORADORA X CONDOMÍNIO. RELAÇÃO DE CONSUMO. LEGITIMIDADE PASSIVA. MESMO GRUPO ECONÔMICO, RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. CADEIA DE FORNECIMENTO. CANCELAMENTO DA MATRÍCULA. ÁREA PRIVATIVA X ÁREA COMUM. PROPAGANDA ENGANOSA. EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO NOS TERMOS DA OFERTA. POSSIBILIDADE. VENDA A NON DOMINO. NULA DE PLENO DIREITO. BOA FÉ DO ADQUIRENTE. IRRELEVÂNCIA. VOLTA AO STATUS QUO ANTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES ADIANTADOS PELOS CONTRATANTES INDEPENDE DE PEDIDO DA PARTE. APURADO EM AÇÃO PRÓPRIA. INDENIZAÇÃO PELA FRUIÇÃO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. VALOR APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSE INDIRETA. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE PROPORCIONAL DAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA.

1. (…)

7. A venda realizada por quem não é proprietário do bem, sem a necessária autorização do titular do direito de propriedade, configura venda a non domino, nula de pleno direito, por envolver objeto ilícito.

8. A nulidade da venda a non domino independe da boa-fé do terceiro comprador.

9. Na ação de reintegração de posse o autor tem que demonstrar o preenchimento de todos os requisitos dispostos no art. 561 do Código de Processo Civil, a saber, posse, esbulho, data do esbulho e a perda da posse.

10. É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que a declaração judicial de rescisão do contrato de compra e venda contém, per se, comando de devolução das quantias eventualmente adiantadas pela parte compradora, o qual independe de requerimento expresso nesse sentido, sob pena de enriquecimento indevido da outra parte contratante.

11. Anulada a venda da área disputada, caberá ao interessado buscar eventual restituição de parcelas ou reparação por perdas e danos, por meio de ação própria, caso queira.

12. (…)

16. O prequestionamento necessário ao ingresso nas instâncias especial e extraordinária não exige que o aresto recorrido mencione expressamente os artigos indicados pelos litigantes, porquanto a exigência refere-se ao conteúdo e não à forma.

APELAÇÕES CONHECIDAS. PRIMEIRA, TERCEIRA E QUARTA APELAÇÕES DESPROVIDAS. SEGUNDA APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.” (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO – Recursos – Apelação Cível 5485026-98.2018.8.09.0051, Rel. Des(a). DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, 7ª Câmara Cível, julgado em 03/04/2023, DJe de 03/04/2023)

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA, CANCELAMENTO DE REGISTRO, INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, REINTEGRAÇÃO DE POSSE E AQUISIÇÃO DE EDIFICAÇÃO. CARTÓRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA TABELIÃ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS NOTÁRIOS. CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE NA LAVRATURA DA ESCRITURA. VENDA A NON DOMINO. PROCURAÇÃO FALSA. VÍCIO CONTUMAZ. NULIDADE DECLARADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDA. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. DIREITO DE REGRESSO.

1. (…).

5. A venda a non domino caracteriza-se pelo fato de o alienante não ser o proprietário da coisa e, assim, desautorizado para a realização do negócio jurídico que, à primeira vista, exterioriza-se sem vício aparente.

6. Demonstrado que o substabelecido Antônio Carlos não se acurou devidamente ao receber o bem em transação comercial, não resta ilidida sua responsabilidade quanto à reparação devida.

7. Aos terceiros de boa-fé (primeiros recorrentes) cabe, em via própria, a demanda pela reparação advinda da aquisição do lote de terras nu, objeto da venda nula.

8. (…).

APELAÇÕES CONHECIDAS. PRIMEIRA DESPROVIDA. SEGUNDA E TERCEIRA PARCIALMENTE PROVIDAS. (TJGO, APELACAO 0191115-71.2011.8.09.0011, Rel. LEOBINO VALENTE CHAVES, 3ª Câmara Cível, julgado em 18/06/2018, DJe de 18/06/2018)

Esse pedido deverá ser realizado em nova demanda judicial, tendo como partes o comprador e o vendedor que não era o dono do imóvel.